Satanismo, Black Metal, Nazismo, Puerilidade e afins.

Entrevista a Solis
[Administrador da APS]
por Adam Warner

O Satanismo é vulgarmente associado a sangue, destruição de cemitérios e coisas semelhantes. Podes esclarecer as pessoas com uma breve descrição daquilo que é o Satanismo?

    É muito complexo e difícil inibir da mente da generalidade das pessoas aspectos que são meramente fruto de superstições e contraposições fabulistas utilizados ao longo dos séculos por uma corrente religiosa, dogmática, dominante. A palavra “Satanas”, despida de toda a conotação mitológica, fantástica, etc. na sua origem remota, apenas significa opositor ou adversário. Tal como Lucifer significará estrela da manhã. Deitar por terra todas as usurpações e deturpações de uma religião com a envergadura e abrangência de um catolicismo/ cristianismo, parece coisa de loucos. Mas a verdade é que no inicio da coisa, muitos povos foram sacrificados, muitas culturas de índole pagã e animista foram usurpadas (e não se pode converter apenas com medo de demónios, há que manter também algumas “entidades” e celebrações como o dia de todos os santos – Sabbat, etc.).

    Muito do que é vulgarmente tido por mal, por pecado, por condenação divina… Não é mais do que a verdade do instinto, a realização do ego. E esta é a maior de todas as quebras para com os dogmatismos cristãos e a pedra base onde assenta o satanismo moderno, filosófico: a satisfação das necessidades do ego, o uno com a natureza (conceito paganico primordial) e o culto da verdadeira natureza humana. Tudo o resto são fábulas. Uma breve descrição seria sempre difícil. No fundo palavras fortes como Nihilismo, agnosticismo, ateísmo, têm tudo a ver com este satanismo filosófico que na sua expressão moderna teve a sua assunção em meados de 1966, nas palavras de Anton LaVey. Satanas não é uma entidade antropomórfica. Satanas sou eu, és tu, e todas as pessoas que se recusam a entrar em correntes dominantes e pensam por si próprias. Satanas é uma palavra forte que em 66 chocava, hoje choca, mas dispamo-nos de preconceitos. Para que serve a religião nos dias de hoje? Cultivemos a nossa verdade interior, no fim só ela resta.

 

Ao longo dos anos tens sido descriminado pelas pessoas? Uma vez que na ideia da maioria das pessoas os satânicos são desde logo associados a coisas negativas…

    O Satanismo é algo individual. É uma corrente de pensamento, uma postura existencial que não é preciso sequer saber o que é ou de onde provém para se ter e se encarnar. Uma criança é Satanista ao dizer sem pudor aquilo que sente, o quer quer, o que não quer, ao chorar com a dor, ao debater-se no desencanto, na insatisfação. Ao castrarmo-nos com os dogmatismos pecaminosos de uma qualquer religião estamos a deitar por terra o que de mais poderoso temos: a inteligência. No fundo as religiões não servem senão para preencher uma lacuna que todos os seres humanos possuem: explicar a origem e o sentido da vida e ao mesmo tempo proporcionar um refugio psíquico para os momentos difíceis desta.

    Não, nunca fui descriminado por ser Satanista. Por um motivo muito simples: Tratam-se de convicções, de aspectos da postura existencialista de cada um. Cultivo a normalidade na minha vida quotidiana. Não discuto certos assuntos de animo leve. Quem é descriminado por ser agnóstico ou ateu? Quem é descriminado por fazer valer os seus direitos e a sua verdade com toda a legitimidade de uma sociedade de direito ou do mero senso comum…? Eu não tenho que apregoar aos sete ventos algo que para o comum mortal será sinónimo de tolices ligadas ao sacrifício de bebés e ritualismos blasfemos ou coisa que o valha… Eu não necessito disso. Quem tem necessitado, usado e abusado de todos esses conceitos débeis, dessas fábulas para quem aceita uma cegueira auto-induzida são os cristãos. Ninguém tem que saber se sou do Sporting ou do Benfica, ou Comunista, anarquista ou fascista se eu não quiser.

 

Falando agora um pouco de Black Metal. Lembro-me que no caso do Tó Jó (jovem que matou os pais) foram ditas algumas barbaridades a respeito do Death e do Black Metal. Podes-nos falar quais a ideologias/ filosofias (caso existam) no Black Metal?

    Conheci e lidei durante algum tempo com esse indivíduo, trocando ideias e musica via carta, etc. De facto foram ditas muitas barbaridades sobre ele e sobre o que o levou a cometer o acto que cometeu. Mas é disso que infelizmente vive (vende) a imprensa e vale para a generalidade das pessoas que não pensam por si próprias… Claro que o acto é digno de punição, e até de maior severidade nesta, mas no que respeita ao Death e ao Black Metal a questão é muito simples: São correntes artísticas ligadas a um movimento musical chamado Heavy Metal. Nada mais. Será que a música é um veículo para a propagação de mensagens demoníacas? Talvez… Mas para mim o demónio que está patente em diversas letras é um demónio meramente mitológico. Tal qual um filme de terror. É uma música forte, imponente, com uma certa carga de agressividade (a vida também o é…), logo as letras têm também essa carga mais densa. Há quem aprecie filmes de terror, lutas de cães, boxe, surrealismo, pornografia… E também existem aqueles que buscam na arte aquilo que de mais nu e cru a humanidade tem. Mas não só! Há histórias que são Tolkien multiplicado por 100, de desespero, em que os sons e as letras manifestam os aspectos mais sombrios da alma, há musicas sobre guerras, sobre miséria, tal qual há musicas sobre amor... Serão feitas para induzir as pessoas a agredir-se, matar, mutilar? Se já tiverem patente em si esse desejo... Talvez se sintam ainda mais induzidas a isso. É um factor psicológico… Eu encaro a pornografia, as artes marciais de competição, e a arte mais extrema como mera forma de expressão. Ninguém me está a ordenar nada… Quando dá boxe na TV a intenção é fazer com que as pessoas se guerreiem?

    Não há ideologias nem filosofias directamente patentes no Death e no Black Metal. É uma forma de arte. Ideologias e filosofias tem-nas cada um em si e na sua conduta, e há muita coisa que indirectamente pode alimentar ou instigar isso.

    Quando vou a um concerto de Black Metal que seja realmente bom, saio de lá com a alma elevada. Vivi uma experiência musical interessante que me excitou os sentidos. A partir daí vou para casa tranquilamente e recordarei com prazer no futuro os momentos que vivi. Amo a minha família, sou pai, considero-me uma pessoa psicologicamente equilibrada e sinceramente se algo me tentar passar uma mensagem de molestamento, etc. o que quer que seja, à partida não me identificarei com isso e viro-lhe costas.

    O que levou o Tó Jó a fazer o que fez foi acima de tudo algo que surgiu em si próprio, não numa forma de arte mais extrema. Quando muito elevou a sua alma a um estado que lhe veio a trazer ao decima os desequilíbrios que já tinha em si patentes.

    Não culpem a música pela pulhice ou desequilibro mental das pessoas, é absurdo!!

 

E a célebre ligação do Black Metal ao fascismo, é verdade que tanto os músicos como os ouvintes de Black Metal são nazis? (risos)

    Célebre? Desde quando? Só dei de caras com uma meia dúzia de bandas (bandecas…), e uma dúzia de pessoas que usaram essa simbologia quase sempre de forma meramente estética. Dessa meia dúzia, mais de metade passou a fase (normalmente jovens inconscientes… O próprio Nocturno Culto de Darkthrone mo admitiu) e hoje em dia considera aquilo algo sem sentido. A outra meia dúzia pertence certamente a uma corrente intelectual pouco evoluída, para não utilizar outras designações.

    Toda a gente sabe que o Heavy Metal surgiu como um grito de liberdade. Faz o que tu queres e isso será o todo da lei, já dizia Crowley, a Grande Besta 666, grande bastião do que viria a ser o Satanismo moderno.

    A opressão “racial” (o conceito de “raça” no aspecto humano é sempre algo dúbio. Posso ser europeu, caucasiano, e ter o mesmo tipo de sangue que um queniano) é uma antítese a conceitos como o da supremacia intelectual. O que esses propósitos “politicos” extremistas fizeram à humanidade está longe de ser um ideal Satanista. Só para quem tiver uma visão completamente limitada. Sem a liberdade de poder apreciar e produzir o que bem se entenda, passaríamos a ser de uma forma ainda pior, radicalmente pior, joguetes de um sistema lobotomizante, deixaríamos de ser donos de nós próprios, de evoluir mentalmente!

    Water seeks it’s own level. Na mediocridade psicológica, está a óbvia inferioridade e com ela a frustração de uma limitação inevitável, portas que não se abrem.

    Há um reverendo da Church of Satan que faz espectáculos ao vivo em que é sodomizado, espancado, e torturado perante dezenas/ centenas de espectadores aterrorizados/ siderados. Usa isso como forma de protesto, e tem prazer psíquico nisso. So what…? É considerado imoral fazer-se nudez em público, é considerada imoral a prática sexual homossexual, etc etc. Mas imoral para quem?

    O expoente máximo do Satanismo é o desprendimento total do indivíduo de todos os conceitos morais exteriores a si próprio. A libertação total do físico e do psíquico. Esse reverendo é “tão” Satanista como eu. Apenas não me realizarei como ele em actos dessa índole, “Every man and every woman is a star”, cada qual com o seu universo próprio de prazeres, encantos e desencantos. Mas o facto de ele poder exercer a sua vontade (em si próprio) como bem entenda é algo de uma riqueza tal que um fascista dificilmente compreenderá. Um ditador fascista será bem pior do que os guardiães da moralidade cristãos. Esses têm um livro de contos… onde sabe bem limpar o traseiro.

    Com o fascismo seríamos todos castrados de poder expressivo. Em Portugal o fascismo era tão podre que até atacava na privacidade dos lares das famílias. Eram os bufos… escumalha velhaca com deus na boca e ódio mesquinho no coração. Era o levar a meio da noite pais de família (que alimentavam a custo várias bocas) para masmorras, e saiam de lá doentes de morte, ou nem isso. Há inúmeros casos desses ainda vivos na memória das gentes Lusas. Um tio meu morreu vitima das condições miseráveis que suportou durante largos meses, só por ser comunista.

    Mas há uma explicação para o uso de uma estética “Nazi” por algumas pessoas. Se nos despirmos de todos os conceitos políticos, sociais, etc. Temos apenas o símbolo. E o símbolo, por exemplo, da suástica (a suástica encarada como os alemães no tempo da segunda guerra mundial, porque bem antes disso tinha, e tem para muitos asiáticos, um significado totalmente oposto!) será um de crueldade absoluta, de tudo o que leva a medos, violências, morte… por aí fora. Não é conceito artístico/ musical do Black Metal – a mais extrema de todas as correntes do Heavy Metal – o encarnar de algo como… uma suprema malevolência, cenários de desolação, caos, absoluta destruição…? Num expoente máximo de crueldade, creio que artisticamente uma suástica pode ser uma figura de estilo útil ao conduzir visualmente o “apreciador”, e a transmitir uma mensagem completamente extrema. Claro que não lês nas letras dessas bandas mensagens coesas politicamente. São apenas símbolos ocos de sentido. Interpretados de forma bastante básica e destinados a pessoas igualmente básicas.

    Se perguntares a uma das figuras supostamente mais radicais se é fascista… Se calhar até te poderá dizer que sim, mas será que considera que a música que faz é um veículo para propaganda política… A resposta é óbvia: Não. Música é música.

    Eu pessoalmente até ofereceria de bom grado umas rosas do Hitler (pintura) à minha avó… Hitler, esse grande “malabarista”, que chegou onde chegou com o apoio de judeus, para pouco depois os trair. A vida de Hitler é o expoente máximo da falsidade e da mediocridade de carácter. Há lições morais interessantes a retirar da história e das suas personagens.

    Ainda bem que reina e continuará a reinar sempre neste estilo musical (e vivencial!) uma intelectualidade que sopra sem esforço com essa e outras poeiras insignificantes.

    Ainda no outro dia tive o prazer de rever Belathauzer dos pioneiros portugueses Filii Nigrantium Infernalium, o homem, a lenda, hehehe! O primeiro a cuspir sangue e fazer fire breath em palco. Auto-inflingir dor em si próprio com laminas, vidros, etc etc… Mas ao mesmo tempo uma pessoa de um certo porte intelectual, professor liceal. Este senhor que chegou a subir a palco, e cuspir na cara de posers de outras bandas enquanto estes actuavam… É o mesmo que enverga uma shirt de Dead Kennedys e comigo tem interessante diálogo acerca de homofobia e xenofobia. Portanto há que estar acima da mediocridade e cultivar a verdadeira supremacia: intelectual.

    Este assunto é muito complexo e sei que estou a “esticar-me”, mas não ficaria bem comigo próprio se para terminar não “invocasse” um principio e uma palavra normalmente associada a fascismo. A palavra é: Nacionalismo. E muito simplesmente posso resumir tudo o que penso a isto: Há nacionalismo e nazionalismo. Orgulho na nossa pátria, nos nossos valores culturais, na nossa língua, lugares e pedaços de arte e história que nós portugueses temos e mais ninguém tem. E suprimir sem piedade quem atente contra estes valores. Isso sim, será algo de absolutamente Satânico e primordial num estar colectivo a que estamos inevitavelmente cingidos, embora deuses de nós próprios.

 

Têm-se vindo a discutir o que é o verdadeiro Black Metal. Existe quem defenda que bandas como Darkthrone são as possuidoras do espírito que existia no inicio da década de noventa. Mas existem também aqueles que defendem que os Dimmu Borgir não são nada uns vendidos e que são eles os senhores do Black Metal. Qual é para ti a opinião mais acertada (se é que alguma está correcta)?

    A música e a coerência dos Darkthrone é algo de inabalável, tal como dos nossos Decayed, e felizmente de muitas outras bandas e pessoas de vincado carácter e personalidade no que criam. Os princípios do Underground sempre serão o total desprendimento de vínculos “direccionantes”, mercantis. O facto de pessoas como o Fenriz de Darkthrone e muitos outros mundo fora assumirem estar-se completamente a borrifar para um conceito como o de público, mercado, por aí fora, é algo que lhes dá o cariz de liberdade genuína que deve acompanhar um estilo tão extremo como o Black Metal… A coerência dos Dimmu Borgir já é algo que não poderei afiançar embora os ache compositores fabulosos. “Puritanial Euphoric Misanthropia” é um disco de Black Metal. Esteticamente a banda é de BM e transcende barreiras que eram tabu para o Metal até agora (orquestras a compor temas em conjunto com as bandas… e não a “colarem-se” a temas já compostos e a bandas milionárias de um escalão pop). Mas sem me alongar muito, direi que o ser vendido é “limar arestas” em prol de aceitação mais alargada. Normalmente são bandas que assentam muito mais na sua imagem, quem não sente o cheiro a laca, verniz e libras ao dar de caras com uns Cradle of Filth? Uma banda que ganha mais dinheiro com camisolas do que com discos.

    Apurar o som criativamente ou com uma produção mais cuidada, etc. não são a meu ver sinónimo de falsidade artística. O progresso será sempre desejável, nem que seja numa manutenção ainda mais firme de directrizes iniciais. É difícil ser músico de um estilo tão pouco (e ainda bem) generalista como o Black Metal, se alguns o conseguem levar a maiores plateias isso pode ser logicamente com muito de “apurado”, mas só conhecendo as pessoas que estão por detrás da criação se pode ou não julgar da sua integridade artística. Outro exemplo de atitude de “estrelato” completamente estupidificante e ridícula é a dos Mayhem. Basta ver o seu DVD. Mas não o vejas, é puro lixo mesmo. Resta a música, com alguns bons momentos (ainda que desviados…).

    Os senhores do Black Metal foram os Hellhammer/ Celtic Frost, Venom e Bathory.

 

Grande parte (senão todas) as boas bandas de Black Metal vêm de países nórdicos, porque é que o gelo influência tanto uma música que devia ser mais infernal (ligada ao calor e a paisagens áridas e quentes)? Ou será que a ideia do inferno está dentro de cada um?

    No meu ver o cenário pode influenciar a criação, e até é desejável que assim seja. Mas há Black Metal oriundo de paragens de menor frigidez. O que se passa é que na Europa nórdica há certos factores culturais e socio-económicos que também potenciam o desenvolvimento artístico (maior poder de compra e abertura mental dos jovens). Na América do Sul também há bandas de Black… com produções más, criatividade mais reduzida (background histórico de menor riqueza, quiçá…), e um panorama de suporte em termos de adeptos com muito menor porte, por razões óbvias. Não em termos de número de pessoas, mas de critérios de exigência e de implementação dos lançamentos discográficos. Claro que isto tem vindo a mudar e sempre houveram honrosas excepções à norma.

    A ideia de inferno pode ser encarada de tanta forma… Há um inferno bem real que é ir trabalhar num dia de verão abrasador, depois de uma noite de insónias e suportar as adversidades que o sobreviver neste mundo requer, a mediocridade alheia por exemplo. O outro inferno, o dos cristãos, é conversa da treta que até ficaria bem num livro de contos infantis, mas infelizmente se mantém fortemente enraizado inúmeros séculos após ter sido fruto da imaginação de pessoas num cenário histórico, humano, etc. completamente diferente deste, que é A REALIDADE em que vivemos. Felizes os estúpidos e ignorantes, mas felizmente não é deles o reino da realidade e seremos nós, os fortes de espírito que lideraremos e construiremos o amanhã. O inferno para esses radicais, fanáticos, cegos religiosos é o perecerem com o tempo e com a evolução das mentes. Hail Satanic Victory!

 

Achas que à semelhança dos ditos Góticos, muitos miúdos se tornam satânicos para darem nas vistas ou para esconder as suas fragilidades? Ou é a culpa dos meios de comunicação que afirmam que músico X ou Y é satânico e trata-se apenas de imitar o seu ídolo?

    Não gosto muito de tentar tecer juízos e teias explicativas para comportamentos e tendências alheias. O “tornam-se satânicos” é vago. Usar o pentagrama, tal como alguns usam uma suástica e por aí fora, acaba por ser o uso de uma simbologia extrema, útil na construção de uma imagem mais austera e radicalista socialmente. O que se passa é que quando isso acontece, por detrás disso estão mentes ainda em formação, fracamente alicerçadas em qualquer universo filosófico. É o parecer sem se ser. Há uma época transitória em todos nós. Chama-se maturação psicológica pré-adulticia. Essas simbologias “engraçadas” podem ser ponto de partida para uma de três vias:

1. Tendência passageira (rave party no verão seguinte num qualquer festival de veraneio, barba rala, campeonato de não lavar o cabelo por mais meses, drogas com bonequinhos mais larilas desenhados, etc.);

2. Maturação psicológica, ir à raiz dos saberes, estudar, explorar, e progredir numa via nobre e individualista, que foi inicialmente fruto de mera curiosidade, como muitas outras coisas, o que é perfeitamente normal;

3. Distorção completa de carácter. Ausência de alicerces filosóficos e basicamente deriva total. Nulidade intelectual absoluta e pura pose. Infelizmente a maioria dos adeptos deste estilo inserem-se nesta última fase. São “alguma coisa”, mas não sabem explicar muito bem o que os levou a ser aquilo que são, nem tão pouco o que está por detrás da sua suposta forma de estar na vida, além de aspectos meramente estéticos e de apreciação musical.

    Quanto à parte dos meios de comunicação, voltamos a entrar num conceito vago. Generalistas ou específicos? Nos generalistas só me recordo do Tójó e da malta que me contou histórias de putos que depois dos pais verem e lerem acerca do “Tójó”, lhes fizeram a vida negra impedindo-os de vestir de preto, etc. Nos meios específicos temos entrevistas com malta que pratica o género BM e assume certas posturas, só que obviamente quando um músico dá uma entrevista, ele está a falar da sua criação e do seu desempenho artístico, ou seja, não são abordados de forma coesa os conceitos que temos estado a discutir nesta entrevista. Repetem-se lugares comuns de guerra à cristandade, pardais ao ninho, e pouco sobra de enriquecedor para um leitor. Mas também, o papel do músico é defender a sua criação, e o seu papel de performer e interprete de um concept extremo, fazendo passar essa mensagem e imagem, fazendo jus ao que está no disco e em palco – um conceito cénico “radicalista”. Para enriquecimento teórico há pessoas dotadas e muitos livros editados. Claro que uma imagem, uma sonoridade que agrade, com a qual as pessoas se identifiquem sensitivamente as levará a tornar-se seguidores. Ser apreciador de Black Metal não é sinónimo de se ser Satanista. Longe disso!

 

Aconselhas menores de 18 a ouvir Black Metal (uma vez que supostamente estão a formar a sua personalidade e poderão levar demasiado a sério o conteúdo das letras de algumas bandas)?

    A maturação psicológica dá-se em diferentes idades conforme a pessoa. A partir do momento em que um jovem saiba destrinçar realidade de criação ficcional, de um cenário estritamente artístico, estará apto não só a apreciar devidamente uma forma estética como o Black Metal mas a decidir por si próprio o que é melhor para si, em muitas outras coisas da sua vida.

    Acho que apreciar Black Metal não é algo que surja de um momento para o outro. Cresce na pessoa. É um extremo de uma caminhada de progressão e conhecimento de outras entidades, de outros géneros. Estar apto a apreciar e vivenciar uma coisa como o Black Metal significa ter alcançado uma maturação artística, e acima de tudo ter em si próprio uma sensibilidade que saia enriquecida com uma experiência tão extrema como o Black Metal é. Em termos sonoros é denso, caótico por vezes, violento, há que destrinçar as melodias, etc. o que é mera capacidade interpretativa. Por exemplo, há bandas que aprecio por instantes mais breves do que outras, que se tornam cansativas pela repetição. Mas a mensagem está lá, o cenário é apreciável, por alguns mais longamente do que por outros. Mas o outro aspecto do Black Metal é a densidade emotiva. Tem de facto uma carga muito forte. Nem todas as pessoas se identificam com algo tão extremista, e isto é um facto. O Black Metal não é para toda a gente.

 

Os satânicos [queres dizer apreciadores de Black Metal…] dão-se bem com os góticos, ou existe algum tipo de preconceito? (na generalidade, obviamente.)

    São universos distintos. Historiais artísticos completamente diferentes. O Black Metal é o estilo de música e a forma estética mais extremista que existe. No gótico há espaço para cenários mais suaves, texturas menos violentas. São (i)realidades diferentes. Eu tenho estado a responder às tuas questões como Satanista e apreciador de Black Metal, mas também sou apreciador de outras formas artísticas. Nem tudo em mim se identifica estritamente com (por vezes) uma selvática chuva de distorção, e uma agressão incessável. Por acaso (entre muitas outras coisas, numa existência pejada de experimentação e aprendizagem) sou apreciador de algumas correntes no gótico, as mais ancestrais, menos electrónicas e mais místicas (Fields of the Nephilim e Garden Of Delight, por exemplo) ou até decadentistas (Christian Death). Há pontos que se podem cruzar em ambos os universos, e como em quase tudo na vida, muito pode ser aprendido ou fortalecido com o vivenciar de outros universos.

    Não entro em aspectos do relacionamento social de adeptos de ambos as “facções”. Além de ser algo que roça o mesquinho, estou demasiado “à parte” para poder responder com exactidão. Mas ok, por exemplo, frequento dois bares no Bairro Alto onde tenho apreciado adeptos de ambas as frentes conviver salutarmente. Portugal, país de brandos costumes… Hehehe!

 

Para terminar, diz-me a melhor e a pior banda de Black Metal que já ouviste.

    Vou ter que mencionar Emperor. Tiveram um percurso criativo riquíssimo. Cada disco foi um passo em frente, mas ao mesmo tempo mantendo uma coerência a todos os níveis. Quando as condições para permanecer não existiam como até então, pura e simplesmente puseram fim à sua carreira. Tudo nos Emperor para mim foi exemplar. Há quem negue que sejam Black Metal mais para o final da sua carreira, mas o que os Emperor fizeram transcende rótulos. O Black Metal de Emperor é a densidade emotiva e não a forma como a riffagem de guitarra, as harmonias sinfónicas, etc. por excesso de complexidade os poderiam levar a ser outra coisa qualquer.

    A pior banda… Há uns anos fiz uma troca de Demos com um tipo na Polónia que tinha uma modesta editora de Tapes. Mandei vir uns cinco títulos diferentes à experiência… E só depois reparei que estava na presença de uma editora “pseudo”-nazi. Uma das bandas tinha uma capa em papel espesso, impressa a ouro, etc. toda janota, o nome era Kohort ou Korort, qualquer coisa do género. Supostamente eram banda já com vários títulos e o nome mais “sonante” da dita modesta editora de cassetes. Quanto ao resto… uma guitarrita desafinada, uma bateria básica e uma vozita gritada a esforçar-se por ser esganiçada ao longo de um tema inteiro. Puro lixo. Produção péssima (ensaio…), música débil, nada ali se aproveitava – só mesmo a capa (enganadora para o pedaço de lixo em questão). Por acaso fixei esta imagem de nulidade criativa, talvez por vir também associada a debilidade ideológica.

 

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