~ O Pacote ~

por outubro, Membro da APS 

 

"Porque é que se sobrestima o amor em detrimento da justiça e se diz dele as coisas mais lindas, como se fosse uma entidade muito superior àquela? (…) Ele é estúpido e (…) imparcial como a chuva, a qual, segundo a Bíblia e a experiência, não só encharca o injusto até aos ossos, mas também, em determinadas circunstâncias, o justo."
                                                                                                                                                                
 Friedrich Nietzsche

  

Obedecendo à tendência mundial de normalizar em simultâneo a compaixão e os objectos desta, o amor ao próximo passou a ser vendido em Kits. Pacotes de compaixão estudados para abranger o máximo de pessoas:  Um cândido fechar de olhos, sempre que a tragédia se afigure proporcional ao crime e suficientemente extrema, para que este possa até ser relegado.

 A justiça, essa será provavelmente adiada até que esses cérebros do marketing político, se redimam da sua revoltante leviandade, o que passará necessariamente por outras leviandades, tais como generosas contribuições contra a exploração de carne humana a Leste e a Oeste do Globo em detrimento da indigência nacional, sinal incontestável do progresso e da ascendência das nossas cidades à condição de metrópoles cosmopolitas.

 Para piorar as coisas e, de forma a mitigar a falta de respostas ideológicas mais específicas, vêem-se os consumidores mais exigentes, obrigados a consumir estes kits de demagogia, que há semelhança de outros produtos de escoamento difícil, lhes são impostos nos escaparates da opinião pública, de onde, subitamente, se parece ter feito desaparecer todas as outras opções.

 Tudo isto resulta na estranha evangelização do pensamento global como forma de escapar à evangelização nacionalista (um monstro recente também vendido em Kit) na conversão da independência em amena dependência global, na evangelização da ideia de rebanho global contra a ideia de rebanho local, como que a dizer que este dará por outro nome, pelo simples facto de se estender a perder de vista.   

 Sem prejuízo dos alegados individualistas, que por serem essencialmente pluralistas se vêem na obrigação de dizer “mé “ ao pacote global, por ser o único em cujo check list a palavra pluralismo aparece.  Sem prejuízo da justiça que, por ser global passará certamente a depender de dados estatísticos e referendos públicos, envolvendo por conseguinte muito menos responsabilidades locais.

 O que me faz pensar numa tremenda ironia: 

 Que depois da incansável batalha do Marxismo contra a Igreja, a sua conciliação se torne agora praticável no mesmo eloquente mote e que a urgência, antes responsável pela produção de revoluções, funcione hoje como desculpa essencial para a narcose global.

 Vale-nos a suspeita de que ao homem não seja possível pastar fraternamente por muito tempo.

 outubro

 

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