~ Teorias da Conspiração e do Consumo ~

por outubro, Membro da APS 

 

"A maldição do homem e a causa de quase todas as suas angústias reside na sua extraordinária capacidade de acreditar no inacreditável."
                                                                                                                                                                
 H.L.Mencken

  

Hum…Teorias da Conspiração

 Sem dúvida, a alternativa comercial á falência iminente da fé. A forma mais caricata de remeter informação aos seus antípodas, preencher a compulsão que todos têm por desastres gordos, dar-lhes em simultâneo algo de alarmante em que acreditar e ocupar a mente, desvirtuando de vez os seus débeis esforços na conquista do fogo de Prometeu.

 O processo é simples:

 Multiplicar as teorias plausíveis. 

 Reunir-lhes inúmeros pormenores cuja confirmação seja praticamente impossível, mas cujas fontes alegadamente confidenciais, produzam no papalvo o desejado ego-boost.

 Primeira ilusão:  Poder. 

 Ilusão que prevalece, por instantes, sobre a gravidade do evento, pelo facto de se estar a desvendar um “SEGREDO MEDIÁTICO” (eh eh eh) do qual se passa, por conseguinte, a ser protagonista. 

 Explico-me: Partindo do pressuposto de que desvendar um segredo seja uma forma ilusória de tomar parte nele, a leitura das ditas teorias acaba por redundar numa espécie de êxtase a que chamarei “protagonismo dos ausentes”.

 Para os aficionados das operações secretas, temos, de entre as mais populares, centenas de teorias sobre o 09/11, que vão desde a aparição de caras demoníacas por entre as labaredas, à inexistência do ataque. É bem possível que o enorme leque de soluções apresentado, ao gerar no público a ilusão de estar a ser informado, lhe gerasse também a ilusão de ascendente sobre o opressor, potenciando-lhe de tal forma o êxtase, que o fizesse relegar para segundo plano a verdade essencial, cuja cotação caiu a pique, é um facto.

Para os casos em que o verdadeiro perigo reside na troca do Livro das Revelações pelos Arquivos do Doktor Putten ou algum outro cardápio mais obscuro, conceberam-se um outro tipo de teorias de efeito lenitivo, que recuperam o mito, com o nítido propósito de sublinhar a importância da crença e fazer retornar as ovelhas ao Criador, após longa ausência.

 Uma dessas teorias é a dos Dogons, um povo metido num vale remoto, alegadamente visitado e instruído por extraterrestres, tema em cuja pesquisa me vi subitamente confrontada com o mito das sereias e a hipótese de que estas existam.

 Seria intenção do autor insinuar que essas criaturas iluminam de facto quem com elas contacte? Com que objectivo? Excursões ao fundo do mar?  Convocar solitários ébrios a um mergulho matinal em águas poluídas?

 Quem diz lenitivos, diz histórias de horror bem verosímeis, abelhas gigantes, duches de varíola, tsunamis, meteoros, explosões antecipadas do sol, toda uma casta de cataclismos plausíveis mas que, curiosamente, sempre foram plausíveis.

 Vêm os malefícios do conhecimento? Não lessem!

 Bom. Ao cabo de algumas horas de pesquisa, produz-se aquele tipo de cansaço gratificante de quem ocupou a sua mente em algo verdadeiramente produtivo e o crente, de ego prazenteiramente inflamado, ainda alheio ao que aí vem a seguir, pode enfim mergulhar num sono reparador, perfeitamente convicto de estar em poder de informação vital, bem capaz de o tirar do anonimato daí a uns anos.

No dia seguinte, em conversa com os amigos, divulga as suas últimas descobertas, mas é imediatamente confrontado com mais meia dúzia de hipóteses possíveis que, além de desvirtuarem as inteligentes conclusões a que chegara sobre uma situação algo alarmante mas algo remota, alargam perigosamente o seu espectro às imediações. Ninguém está a salvo.

Chega a casa apreensivo. 

Querida - temos que isolar as janelas. Vai lá ver se achas o nome daquele sistema de alarme, de que falavam na televisão ontem…

Segunda ilusão:  Consumo

 

Hum…Consumo

 Outro grande anátema bem capaz de preencher as lacunas da fé e evidenciar aos mais atentos a implacável estratificação dos que em torno dele gravitam.

De um lado os seus servos mais obedientes e disciplinados. Dívidas contabilizadas em folhas de Excel, andares Casa Cláudia, cozinhas com livro de instruções. Nada faria supor que tão magnífico cenário, fosse pano de fundo de esgotamentos nervosos, divórcios litigiosos e penhoras de bens, bem capazes de os deixar virtualmente nus (ou ter frequentes pesadelos com isso).

Do outro lado, os adversários do consumo, abstinentes, amargos, e híbridos, um dedo enfiado na bocarra do “monstro”, incapazes de o conter, prestes a ser abocanhados, arrastando centenas de suicidas, fãs do chá verde e dos laxantes, na sua ladainha estupidamente pessimista e livre de soluções.

Cai a noite.

Hora do chuto.  Sento-me ao PC e digito.  New World Order.

 

outubro

 

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